O Zorro e você
O chefe-herói, aquele tipo que resolve tudo, é um perigo para os subordinados
As novas gerações estão chegando ansiosas, muito bem informadas e atualizadas. Hoje em dia é muito natural um funcionário apresentar ótimas idéias para resolver problemas. Ser gerente não é mais saber tudo desprezando a competência dos colaboradores, sempre resolvendo os problemas sozinhos, não amadurecendo a equipe e impedindo seu crescimento.
Talvez seu chefe não saiba disso e esteja gerenciando a área com o lado heróico da personalidade. Seria um modo de agir muito semelhante ao do Zorro, um verdadeiro herói à moda antiga. O Zorro, todo mundo sabe, aparece na cidade somente quando há problemas. Quando não há, vai disfarçado de Don Diego de La Veja dar uma olhada geral, ver se está tudo bem. Se algum problema acontece, ele surge do nada, saca a espada e enfrenta os bandidos, enquanto os habitantes da cidade ficam assistindo à luta, seguros e protegidos. Eles não ajudam o Zorro, ficam por perto, recolhem uma cesta do chão, mandam as crianças para dentro. O Zorro, você já deve ter reparado, nunca mata o bandido, só espanta: depois que o domina, faz sua marca com a ponta da espada, monta em seu belo cavalo e desaparece. Volta para a caverna e vira Don Diego, alguém que se ocupa com banalidades.
Assim é o gerente-herói, e seu modo de ser é complementado pelo modo de ser da equipe, que acaba cuidando só da rotina, longe de riscos, conforme nos dizem Bradford e Cohen, no livro Excelência Empresarial. Ambos – gerente e equipe – acreditam que o chefe e, como o Zorro, é a solução. É comum o subordinado consultar primeiro o chefe, ainda que saiba como resolver um problema. E, mesmo não tendo muita certeza, o chefe orienta o empregado, pois, como o herói do passado sente-se na obrigação de resolver tudo. Não pede a opinião do empregado, e este, por sua vez, também não se sente obrigado a dizer a nada. Se a orientação dada não der certo, o subordinado, que sabe muito bem como resolver o problema, vai novamente procurar o chefe.
Quando há troca de gerente, observe como no início a equipe rende mais do que com o antigo chefe. É que o recém-chegado não tem como, de imediato, controlar as tarefas; entra conduzindo os trabalhos em nível gerencial e a equipe, sem nenhum Zorro por perto, cresce. À medida que o novo gerente começa a controlar tudo, ele empurra a equipe para baixo, as coisas voltam ao estado anterior e, tal como os habitantes da pequena cidade do filme, as pessoas acabam respeitando o Zorro pelo heroísmo, sentindo-se tranqüilas, protegidas por terem um herói lá em cima.
Seu chefe é assim? Então até posso imaginar o que acontece ao final do seu expediente, por volta das 6 horas da tarde. Às 5 e meia o pessoal está limpando a área, para no dia seguinte começar “zero bala”. Essa é a linguagem. Todos tratam de ficar livres das encrencas. Então, quando são 5h40, você pega a sua encrenca do dia – o macaco, como é chamado na velha história – e vai até a sala do Zorro. Põe o bichinho na beirada da mesa, afofa os pêlos para ele ficar maior, dá-lhe uns tabefes que é para ele babar um pouco, deixa o bicho nervoso e fala assim: “Dr. Arnaldo, tem um gorila aqui! É bom dar uma olhada nisso, senão a gente pára amanhã. Ele precisa do seu interesse nisso, da sua experiência…”. São 10 para as 6 e seu chefe, cheio de coisas para fazer, com o diretor ao telefone, uma última reunião às 6 e meia, fala assim: “Deixa aqui, que eu já resolvo”. Era exatamente isso que você desejava ouvir. Livre da encrenca, você já pode ir embora, 6 horas da tarde, cuidar da vida: o chopinho, a academia, o papo com os amigos, passar na videolocadora, curtir o jantar com a família, e por aí vai.
Se esse comportamento é mais ou menos parecido com o seu, você é um forte candidato a estar valendo, dentro de pouquíssimo tempo, exatamente nada no mercado de trabalho. E tudo indica que o culpado é o seu gerente. Será? Vamos raciocinar um pouco.
Muitos gerentes acham que a equipe deve cuidar só da rotina, e quando surgem problemas quem resolve são eles. Como as metas da empresa estão condicionadas à rotina, você tem de trabalhar a rotina; quando os problemas surgem, você chama o Zorro. Muito tranqüilo você vai levando, sem perceber que seu gerente é um perigo, porque ele está embotando você, porque o acostumou a não pensar, a não buscar soluções. Você está se sentindo protegido, não arrisca nada – o seu gerente tirou sua consciência de risco e aumentou sua zona de conforto? A equipe percebeu o estilo e se acomodou? Nos filmes do Zorro, enquanto ele duela com os problemas, no fundo da cena costuma passar alguém com uma moringa na cabeça ou puxando calmamente uma carroça. É a representatividade de que o povo mantém a rotina, enquanto todos os problemas são do Zorro. É isso que você quer para você? Você gosta de levar moringa d’água na cabeça?
Não pense que ter um chefe Zorro é exclusividade sua. Nada disso. Saiba que dentro de todo gerente existe Zorro. Se você está subordinado a um gerente-herói, se nunca é envolvido na solução dos problemas, se não está correndo riscos e está achando tudo isso formidável, você está em perigo. Precisa urgentemente mudar de chefe ou mudar a cabeça do seu chefe. Mudar de chefe você deve saber como faz, existem muitas estratégias consagradas. Mas mudar a cabeça dele em relação a você requer certa sutileza. Vou dar aqui uma sugestão.
Você detectou um problema e precisa urgentemente falar com o chefe – trata-se de um macaco peludo. Tudo bem. Mas, antes de entrar na sala dele, você tem de se preparar: desenvolva uma primeira alternativa – não fazer nada – e avalie qual é o risco que a área corre se nada for feito e anote na planilha. Por que avaliar o risco? Porque a base da decisão gerencial é o risco. Continue pensando, desenvolva agora a alternativa quatro, uma solução do tipo “fazer tudo que for necessário” – terceirizar, contratar gente, comprar computador -, uma solução definitiva. Pense nisso e avalie igualmente o risco. Depois de pensar nas alternativas de não fazer nada e fazer tudo, pense também em duas intermediárias. Desenvolva o miolo e avalie também os riscos. Preparou a planilha? Então agora você vai procurar seu chefe, que está ocupadíssimo. Não tem importância. Mostre o macaco e a planilha – se for o caso, deixe com a secretária ou sobre a mesa dele. Uma hora ele vai ver.
E o que acontece ao ler seu trabalho? Um choque! Porque seu chefe descobre que você é um ser pensante.
No outro dia, ao ficar sabendo qual a decisão que ele tomou, qual das alternativas apresentadas ele escolheu, nada de ficar se gabando: “O chefe resolveu aquele problema exatamente do jeito que eu ensinei!” Por favor! Trate de observar qual foi o raciocínio dele, por que ele decidiu daquele jeito, acompanhe o final da história. Com o tempo, você aprende o modo de trabalhar dele e ele aprende o seu. E não se surpreenda se ele chamar você para pensarem juntos uma solução. Adotando essa prática, seu chefe começa a confiar em você, e a encarregá-lo de resolver sozinho muitos dos problemas. Aí você está salvo – vai começar a aprender muito mais e, com um pouco de sorte crescer.
Romper os limites do relacionamento entre gerente-herói e subordinado-coisa não é fácil. E sabe qual é o motivo? Os gerentes têm dó de desenvolver pessoas, porque desenvolver pessoas dói: pensar, mostrar idéias próprias, trabalhar no risco. O subordinado resmunga, e o gerente acha que o camarada é coitado porque ficou, no dia anterior, até 7 e meia, e há dois sábados que vem trabalhar. Pouca gente quer crescer, a maioria quer já ser crescida. Desenvolver, crescer… Isso dói!
Sobre esse ajuste do compartilhamento de risco entre gerente e equipe, há um fato que eu acho muito significativo, que aconteceu com um casal de amigos meus, ele advogado, ela médica. Ele estava em casa lendo o jornal depois do jantar e o moleque dele falou assim: “Pai, na próxima semana vai ter um a feira de ciências no colégio e eu quero fazer um moinho de vento que funcione”. Meu amigo achou isso muito legal: “Meus parabéns, rapaz, a idéia é ótima”. E continuou lendo o jornal. E o moleque ficou olhando. A mãe, que estava arrumando sua valise para o dia seguinte, quebrou o silêncio: “Ajude o moleque um pouco, Jô!”. O pai fechou o jornal e perguntou ao filho qual o material que ele estava pensando em usar. O moleque respondeu que estava pensando em madeira. “Mas você não acha que a madeira é muito grossa, que o moinho pode ficar muito pesado?” “Bem, pai… Duratex?” Então o pai falou assim: “Olha o que você acha de material mais leve, que seja mais encorpado?” E o moleque: “Poxa, pai!” Aí, a mãe protestou: “Fala logo que material é, Jô, assim não dá!”
Então meu amigo pediu para o filho sair um pouquinho, que ele ia conversar com a mamãe e depois chamava. Fechou a porta e falou: “Vamos fazer o seguinte: eu preparo sua valise, você faz o trabalho do menino e ele lê o jornal. Assim fica tudo certo: quando você estiver atendendo seu paciente amanhã, não vai encontrar o receituário, mas isso será explicável porque fui eu que arrumei a valise. O menino leva o moinho à escola, chega lá todo desmontado, os colegas vão caçoar, mas ele pode explicar que foi a mãe que ajudou. E quando os meus clientes perguntarem se eu li no jornal a declaração do ministro direi que não, que lá em casa quem lê o jornal é meu moleque”.
Você percebe como, desejando facilitar ou agilizar as coisas, fica tudo encaixado torto? Não deixe seu chefe facilitar as coisas para você, pois estamos em uma nova realidade. Se você gosta do Zorro, procure os filmes. Como executivo, ele deu certo no passado, apoiado por valores e por um cenário muito diferente dos que hoje se apresentam aos gestores modernos. Com as mudanças ocorridas nos últimos dez anos, ser Zorro é opção de alto risco para a carreira gerencial. E para a sua também, esse é o ponto. A não ser que você se identifique com aquele senhor pseudo-surdo e verdadeiramente mudo que faz dobradinha com o Zorro. A opção é sua.
Por Pedro Mandelli Filho
Fique por dentro
- 02 maio 2012A gente se faz à medida que caminha
- 23 abr 2012Ver Vendo
- 23 abr 2012Ou Mudamos ou Morremos